quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O PAPEL DO AÇÚCAR NOS VINHOS - FERMENTAÇÃO E DEGUSTAÇÃO

Sem o açúcar, ou melhor os açucares, não existiria o vinho. Além de serem elementos fundamentais para a produção de uma das caraterísticas típicas dos vinhos - o álcool, são responsáveis para obtenção do equilíbrio gustativo dos vinhos. Vinho é muito mais que uma bebida alcoólica e a quantidade de açúcar, ou melhor a quantidade presente no mosto e sucessivamente no vinho, é fundamental para suas características organolépticas e para seu equilíbrio.
Se é verdade que quantidades consideráveis de açúcares classificam o vinho como doce e a ausência deles, ou quantidades baixas, o classificam como seco, quantidades intermediarias determinam perfis sensoriais muito específicos (pensem aos vinhos espumantes e as diferentes perfis sensoriais ditados pela quantidades de açucares presentes).
O açúcar é presente em qualquer tipo de vinho, não somente nos doces e a  percepção de doçura, como qualquer outro estímulo gustativo, é avaliado em função da intensidade dos estímulos antagonistas ou sinérgicos. Vamos tentar explicar melhor: a falta da percepção de um estímulo não significa a ausência da substância que o produz, mas poderia significar uma condição organoléptica onde aquela determinada substância é contrastada ou equilibrada por outras substâncias.
A apreciação para os vinhos doces mudou muito no decorrer do tempo e na evolução dos consumidores: no passado,  a partir da antiga Grécia, quando a enologia estava ainda para nascer, os vinhos doces eram os mais valiosos e apreciados, já hoje os consumidores finais se orientam por vinhos mais secos. A produção atual dos vinhos doces é marginal em comparação aos vinhos secos e de mesa, justamente devido a demanda menor e ao menor interesse por parte dos consumidores. Além do mais os vinhos doces de boa qualidade são bem mais caros que os mesmos vinhos secos de boa qualidade por causa do custo industrial mais alto (se falamos de uvas passificadas para fazer um litro de vinho são necessários de 3,5 Kg de uvas passificadas, já para um vinho comum é necessário 1,4 Kg de uva para fazer um litro de vinho).
Como falamos no começo o açúcar é essencial para a produção do vinho pois, sem eles, não poderíamos ter alguma bebida fermentada: ao longo do caminho que transformará o suco de uva (mosto) em vinho os açúcares, além de se transformar em álcool através da fermentação alcoólica, subirão várias transformações químicas, graças a ação das leveduras, que resultarão em diferentes percepções sensoriais no momento da degustação. Porém nem todos os açucares são iguais e cada tipo reage de maneira diferente em função do tipo de leveduras. Na natureza os açucares, definidos como glicídios, são elementos essenciais para a sobrevivência da maioria dos organismos: a procura pelos glicídios pelos organismos vegetais e animais é uma de suas atividades principais pois são a principal fonte de fornecimento de energia.
Nos bagos das uvas são presentes diferentes tipologias de açucares porém, aqueles mais predominantes são a glucose e a frutose. Durante o processo de fermentação alcoólica alguns açúcares, os que não sofrem fermentação, não são convertidos em álcool e CO2 pelas leveduras, deixando ao vinho um certo grau de doçura e esta, produzida pelos açúcares residuais, nem sempre é perceptível durante a degustação, pois as vezes é equilibrada por outras substâncias ou é tão baixa que fica aquém do limite de percepção.
A presença do açúcar no vinho pode ser obtida de várias maneiras:
  • interrompendo a fermentação antes que as leveduras completem o processo de fermentação (baixando a temperatura dos tanques de fermentação a - 4 C);
  • acrescentando ao vinho uma certa quantidade de açúcar (esta prática enológica não é mais permita pela maioria dos países produtores de vinho e só interessa aos vinhos espumantes);
  • escolhendo leveduras que não são suficientemente resistentes ao álcool (algumas leveduras conseguem sobreviver em ambiente com taxa alcoólica de até 17%, já outras morrem com taxas alcoólicas menores, quando as leveduras morrem antes de concluir todo o processo de fermentação se obterá um vinho menos alcoólico mas com um maior resíduo  de açúcar)
Nas degustações o açúcar desenvolve um papel muito mais complexo além de proporcionar a percepção de doçura: é fundamental para o equilíbrio gustativo dos diferentes elementos que compõem o vinho mas, ao mesmo tempo, precisa  ser balanceado de modo a não ficar excessivo. Entre todas as substâncias presentes no vinho os açúcares estabelecem uma específica relação de equilíbrio com os ácidos: a acidez é a principal qualidade organoléptica  que melhor contribui a equilibrar a doçura. Estamos falando de equilíbrio, então não uma diminuição das quantidades dos elementos mas sim a alteração da perceptibilidade, fazendo com que o estímulo seja equilibrado e harmônico.Temos um ótimo exemplo com o suco de limão: esta substância, notadamente de sabor áspero e ácido, encontra um bom equilíbrio gustativo com a adição de substâncias doces (se acrescento açúcar ao suco de limão, não estou diminuindo a carga de acidez do suco mas sim mitigando a percepção na boca em função da doçura do açúcar).
Outra substância que desenvolve um papel importante para contrastar o sensação de doçura é o CO2: em geral a ação do anidrido carbônico diminui significativamente a percepção dos açúcares dando a sensação de consumir uma bebida bem menos doce. É o que acontece nos vinhos espumantes: a presença marcante de CO2 diminui a sensação percebida dos açucares (alguns vinhos espumantes classificados como Extra-dry, ou seja com açúcares residuais de até 17 g/l., parecem Brut devido a ação da CO2). Já nos vinhos tintos a percepção dos açúcares é equilibrada pela presença dos taninos, notadamente adstringentes e ásperos, cuja ação, se devidamente controlada rende os vinhos tintos mais harmônicos.
Por fim até a temperatura pode influir sobre a percepção de doçura nos vinhos:  temperaturas maiores aumentam a sensação de doçura enquanto temperaturas muito baixas podem até eliminar por completo esta sensação.

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