segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

MINERALIDADE NOS VINHOS: CIÊNCIA OU PERCEPÇÃO?

 No mundo do vinho é facil se deparar com o termo "mineral" para indicar umas características específicas que remandam á acidez, á salinidade, ao frescor. Nenhum outro termo, no mundo vinicola, gera tanta polêmica, como a mineralidade, mas porque isso?

O conceito de mineralidade do vinho é confuso, pois existe um debate sobre a origem das características minerais do vinhos: seriam somente percepções sensoriais ou poderia haver base cientifica para relacionar os aromas do vinho ao solo onde a videira cresce?

Do ponto de vista científico não ha dúvidas: é impossível que a videira transporte minerais inteiros do solo até a planta. Como Alex Maltman, geólogo e professor aposentado da Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, explicou no seu recente livro "Taste de Limestone, Smell the Slate" (prove o calcário, sinta o aroma da ardósia), as rochas não passam sabor ao vinho. Maltman explica que os minerais das rochas, xomo quartzo, calcita ou mica, são insolúveis e inertes e não se dissolvem de forma a chegar até a uva. As raízes das videiras absorvem apenas íons simples (como potássio, magnésio, ferro e cálcio) em quantidades muitto pequenas, dissolvidos na água do solo. Esse íons não tem sabor perceptível e não criam aromas minerais nos vinhos.

Porém, do ponto de vista prático na hora de degustar um vinho, sabemos que é possível distinguir aromas e sabores que remetem a rocha molhada, giz, grafite, argila e até petroleo em certos vinhos, e esses aromas aparecem de forma incisiva em vinhos de regiões específicas, com solos distintos. Como, então, explicar isso?

Obviamente a primeira coisa a se considerar é a definição do termo "mineral": o que chamamos de mineral é, normalmente, uma sensação olfativa e/ou gustativa que tem a ver mais com os compostos voláteis liberados durante a fermentação do que com a composição química do solo. Apesar das rochas se desintegrarem no tempo a mineralidade é mais um fenômeno sensorial complexo, que pode estar relacionado á acidez, salinidade, á presença de compostos sulfridicos e até a fermentação com leveduras indígenas.

Sommelier e degustadores utilizam o termo "vinho mineral" pois descreve um conjunto de aromas e sabores que lembram a pedra molhada, argila, grafite, petroleo, e mesmo sem uma explicação científica essa descrição permite identificar, de forma mais imediata, alguns vinhos vinculando-os aos solos de origem, assim como acontece no caso de alguns Riesling alemães, Chablis ou ainda alguns tintos do Etna.

 


segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

PRIMEIRAS PREVISÕES DA SAFRA DE VINHOS DE 2025

O ano de 2025 será lembrado como o ano da estabilização “em baixa”, mas com um vencedor claro. De acordo com as estimativas oficiais apresentadas pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) em 12 de novembro, a produção global atingiu uma média de 232 milhões de hectolitros. O dado marca um aumento de 3% em relação ao “vermelho profundo” de 2024, mas esconde uma verdade incômoda: ainda estamos 7% abaixo da média dos últimos cinco anos. Não é um recomeço, é uma convalescença. 

A verdadeira notícia não é o total mundial, mas o salto da Itália. Com 47,3 milhões de hectolitros, a viticultura italiana não só se confirma líder, como registra um aumento de 8% em relação ao ano anterior. Um dado que pesa como uma pedra quando comparado com os concorrentes diretos: a França continua em queda (-1%), parando em 35,9 milhões de hectolitros, enquanto a Espanha perde mais 6%, caindo para 29,4 milhões de hectolitros. A diferença entre Roma e Paris está aumentando: a Itália parece ter encontrado um equilíbrio agronômico que faltou este ano aos seus vizinhos do outro lado dos Alpes, pressionados pelo arranque de vinhas e pela crise de Bordeaux.

Se a Europa enfrenta dificuldades, o Hemisfério Sul apresenta cenários contrastantes que contradizem a ideia de um ano uniforme.

A Austrália sai do pesadelo de 2024 e retoma o quinto lugar mundial. Mas os verdadeiros feitos vêm da Nova Zelândia (+32%) e do Brasil (+38%), favorecidos por condições climáticas quase perfeitas. A Europa Oriental também dá um golpe importante: a Romênia registra +29%, chegando a 4,1 milhões de hectolitros e confirmando-se como o sexto maior produtor da UE.

O Chile paga uma conta muito alta ao clima, registrando uma queda significativa que o afasta do topo da América do Sul, deixando o campo livre para a Argentina.Se a Europa enfrenta dificuldades, o Hemisfério Sul apresenta cenários contrastantes que contradizem a ideia de um ano uniforme.

A OIV fala de um mercado “substancialmente equilibrado”, mas é preciso ter cuidado para não confundir equilíbrio com saúde. Os estoques se estabilizam não porque se vende mais, mas porque a produção contida equilibra perfeitamente uma queda global da demanda. Estamos em uma economia de estagnação, onde a única saída é o valor, não o volume.

Os dados desagregados mostram uma correlação cada vez mais estreita entre a estabilidade produtiva e a saúde do ecossistema vinícola. As regiões com melhor desempenho (como o sul da Itália, +19% segundo as estimativas desagregadas) são frequentemente aquelas onde a videira é obrigada a se adaptar a estresses extremos. Aqui, o tema da biodiversidade funcional volta a ser central. As empresas que investiram não apenas em tecnologia, mas também em “capital natural” (plantio de gramíneas, corredores ecológicos para as abelhas, manejo regenerativo do solo) estão demonstrando uma resiliência superior aos choques hídricos e térmicos. Em uma safra em que o clima mais uma vez foi um árbitro severo, as abelhas na vinha não são poesia bucólica: são o seguro de vida para as colheitas do futuro.



quinta-feira, 20 de novembro de 2025

O BORBULHANTE MUNDO DOS ESPUMANTES ITALIANOS

Os espumantes, desde sempre, são sinônimo de comemoração, confraternização e alegria e nada mais justo que dedicar aos espumantes nosso último encontro do ano, para brindar ao novo ano e festejar as metas alcançadas em 2025 que está prestes a terminar.

Seja ele Brut ou Extra Dry, branco ou rosé, elaborado com método Charmat ou Tradicional, o espumante nos acompanha nas ocasiões mais comemorativas de nossas vidas e se torna uma bebida ideal não somente ligadas as festas, mas também ao nosso consumo cotidiano, especialmente durante os meses mais quentes do ano quando, gelado, nos ajuda a combater as temperaturas altíssimas do nosso verão.

Na Itália a produção de espumante cresce a cada ano, se consolidando como a tipologia de vinho de maior sucesso: em 2024, pela primeira vez na história, foi alcançada a marca de 1 bilhão de garrafas produzidas e comercializadas, destacando-se a forte contratendência dos espumantes, não só em relação aos vinhos tranquilos, mas também ao consumo de outras bebidas alcoólicas, desde cerveja até bebidas destiladas.

No próximo dia 11/12 na “nossa” Casa Porcini, que já virou a sede oficial de nossos encontros, a partir das 19.30 falaremos de espumantes italianos, analisando a performance de produção e consumo ao longo dos anos, aprofundando os métodos de produção e suas classificações e evidenciando quais as denominações italianas dos espumantes mais produzidas e de maior qualidade.

Degustaremos dois espumantes elaborados com método Charmat, um rosé e um branco vinificado com a casta pouco conhecida Muller Thurgau, além de um Franciacorta, considerado o espumante italiano método Tradicional de melhor qualidade:

Muller Thurgau Brut Espumante Rivani

Pinot Rosé Extra Dry Espumante Rivani

Franciacorta DOCG Grande Cuvée Alma Brut Bellavista

O custo de participação será de R$ 185,00 para pagamento via Pix (marco@vidarconsulting.com) ou de R$ 195,00 com possibilidade de parcelamento em até 2x no cartão de crédito no link do Mercado Pago a seguir: https://mpago.la/2FUjjXm

VAMOS COMEMORAR JUNTOS!!

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

ESTIMATIVAS DA PRODUÇÃO MUNDIAL DE VINHO EM 2025: ENTRE 225 E 228 MILHÕES DE HECTOLITROS

A produção mundial de vinho, em 2025, está estimada entre 228 e 235 milhões de hectolitros, com uma projeção intermediária de 232 milhões de hectolitros. Trata-se de uma recuperação (+3%) em relação aos baixos volumes de 2024, embora a estimativa da colheita deste ano permaneça cerca de 7% abaixo da média quinquenal. É o que afirma a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), que publicou hoje suas primeiras estimativas anuais sobre a produção mundial de vinho para 2025. Uma colheita ainda baixa, portanto, em comparação com os números de alguns anos atrás (com exceção da Itália), mas isso não é necessariamente um fator negativo em um mercado que tem dificuldade para engatar e com os estoques nas adegas permanecendo altos.

A Itália se confirma como o maior produtor mundial de vinho em 2025 (47,4 milhões de hectolitros, +8% em relação a 2024), à frente da França (35,9 milhões de hectolitros, -1%) e da Espanha (29,4 milhões de hectolitros, -1,4%). Os Estados Unidos estão em quarto lugar (21,7 milhões de hectolitros, +3%), enquanto a Austrália recupera a quinta posição no ranking mundial de produtores de 2025 (11,6 milhões de hectolitros, +11%), à frente da Argentina (10,7 milhões de hectolitros, -1%), que, na 6ª posição, é o maior produtor da América do Sul e precede a África do Sul (10,2 milhões de hectolitros, +16%), o Chile (8,4 milhões de hectolitros, -10%), a Alemanha (7,3 milhões de hectolitros, -6%) e Portugal na 10ª posição (6,2 milhões de hectolitros, -11%).
A OIV destacou que, “apesar dos contrastes regionais, o mercado mundial do vinho deverá permanecer substancialmente equilibrado, uma vez que o crescimento limitado da produção contribuirá para estabilizar os estoques num contexto de enfraquecimento da demanda e de contínuas incertezas comerciais”.
Na União Europeia (a estimativa para a colheita de 2025 é de 140 milhões de hectolitros), a produção aumentou modestamente em relação a 2024 (+2%), mas permanece significativamente abaixo da média quinquenal (-8%). O Velho Continente continua a ser caracterizado por uma elevada variabilidade climática, com a França (-1% em relação a 2024 e -16% na média dos cinco anos) e a Espanha (-6% em relação a 2024 e -15% na média quinquenal) a registarem colheitas muito baixas, ao contrário da Itália (+8% em relação a 2024, +2% na média dos últimos cinco anos). No restante do hemisfério norte, explica a OIV, os resultados foram contrastantes. Os Estados Unidos registraram apenas uma recuperação parcial em relação à baixa safra de 2024 (+3%, mas -9% é a “pontuação” da média quinquenal). O hemisfério sul totalizou 49 milhões de hectolitros e registrou uma recuperação em relação a 2024 (+7%, mas -5% no quinquênio), impulsionada pela melhora das condições na África do Sul, Austrália, Nova Zelândia (3,7 milhões de hectolitros, +32% em relação a 2024 e +15% na média quinquenal) e Brasil, que compensou a queda significativa registrada no Chile.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

PORQUE SEMPRE MAIS PRODUTORES ESCOLHEM ELABORAR VINHOS COM BLEND DE SAFRAS DIFERENTES?

As mudanças climáticas estão redefinindo práticas e percepções no mundo do vinho. Cada vez mais produtores de qualidade recorrem à blends de safras diferentes (não vintage) para manter constante o estilo dos vinhos diante de ondas de calor, geadas e granizadas. Exemplos concretos vêm dos Estados Unidos, em particular da Napa Valley, e também da Itália (da região de Veneto), mostrando como o blend de safras é hoje uma estratégia operacional e sensorial.

O vinho está historicamente ligado a uma única colheita, mas a realidade das vinhas está mudando: ondas de calor mais intensas, incêndios nas proximidades das vinhas e fenômenos meteorológicos extremos estão aumentando a variabilidade qualitativa entre uma colheita e outra. Para alguns produtores, essa variabilidade é um problema a ser gerenciado, não um valor sagrado. O repórter da BBC News Will Smale, em um artigo recente, relata a experiência emblemática de Chris Howell como diretor técnico da Cain Vineyards: enólogo desde 1991, ele conta que os verões estão ficando cada vez mais quentes, com picos que podem chegar a cerca de 50 °C. Em 2017, devido aos incêndios que afetaram o Vale de Napa durante a colheita, Howell selecionou apenas as uvas colhidas antes do início dos incêndios — cerca de metade — e conseguiu compensar a produção graças à possibilidade de misturar o vinho com safras posteriores, aproveitando o Cain Cuvée, o blend já presente na adega.

Paradoxalmente, o não vintage não é uma novidade absoluta: é a norma para os espumantes, em particular para o champanhe, onde a mistura de safras serviu historicamente para garantir estilo e consistência. Hoje, com o aumento das temperaturas no norte da França, produz-se mais champanhe millésimé (vintage) do que no passado — sinal de que o clima também está redefinindo as hierarquias históricas. 

No campo dos vinhos tranquilos, a inovação italiana de Riccardo Pasqua — que, em 2019, introduziu um branco multivintage elaborado a partir de uvas de sete safras diferentes (2019-2016-2021-2020-2018-2017-2013), batizado de “Hey French (You Could Have Made This But You Didn’t)” — mostra como a mistura pode se tornar uma ferramenta de expressão da vinícola, e não apenas uma solução provisória. As uvas deste Bianco Veneto IGT, além de serem de várias safras, provêm de vinhedos localizados em diferentes áreas do lado veronês do Monte Calvarina, na parte mais oriental da denominação Soave. Pasqua fala do blend como um “livro” que se enriquece com capítulos: usar várias safras significa compor uma narrativa sensorial mais ampla do terroir.

De acordo com a Master of Wine Dawn Davies, o mercado divide-se em três segmentos: aqueles que não prestam atenção à safra (consumidores do mercado de massa), aqueles que estão muito ligados a uma única safra (segmento intermediário) e aqueles — profissionais e conhecedores — que compreendem as razões técnicas e qualitativas por trás do não vintage. O ponto prático é que a maioria dos vinhos já é resultado de múltiplas misturas: a novidade é a extensão temporal da mistura, não a técnica em si.

A resistência surge de fatores culturais e de marketing: a safra é um símbolo de autenticidade, memória e narrativa comercial. Mudar essa percepção levará tempo — e transparência sensorial por parte dos produtores —, mas o argumento técnico é sólido: o blend pode garantir consistência, proteger o caráter da empresa e mitigar os riscos associados a eventos extremos.

A mistura de diferentes safras está se tornando uma estratégia prática e, para muitos, inevitável na era das mudanças climáticas. Não se trata de eliminar a cultura da safra, mas de integrar novas ferramentas para preservar um estilo e uma qualidade que o clima torna cada vez mais difíceis de garantir com abordagens rígidas. Os casos da Cain Vineyard & Winery em Napa e da Pasqua em Verona mostram que a escolha já é concreta: para alguns, trata-se de uma adaptação técnica; para outros, uma nova maneira de contar a história do território.

Se o objetivo é manter uma identidade sensorial sustentável ao longo do tempo, a mistura de safras está destinada a entrar definitivamente no vocabulário técnico e comercial do vinho — desde que os produtores e a comunicação saibam explicar por que e o que se ganha em termos de qualidade e resiliência.

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

OS CUSTOS OCULTOS QUE A ETIQUETA DOS VINHOS NÃO TE CONTA

Que o futuro do setor agroalimentar deve ser mais sustentável é agora um dado adquirido. Mas quanto custa realmente a comida que levamos para a mesa? Não o preço na etiqueta, mas o seu custo real para a coletividade. A resposta vem do Índice de Impacto Socioambiental das Cadeias Agroalimentares (ISFA), desenvolvido pela Up2You e apresentado durante Food Social Impact 2025. Os resultados são surpreendentes: o iogurte ao quilo não custa 4 euros, mas 6,61 euros, ou seja, 65% a mais. Uma diferença causada por despesas com saúde, degradação do solo e perda de biodiversidade. Mesmo produtos de excelência do Made in Italy, como o molho de tomate (+51%) e a massa (+42%), escondem custos significativos, relacionados principalmente ao consumo de água e às emissões.

Essa abordagem, baseada na Contabilidade do Custo Real, monetiza os impactos ambientais e sociais, revelando o “preço real” dos produtos. Se este é o quadro para alguns dos produtos mais comuns, como se aplica este mesmo conceito ao complexo mundo do vinho?

Se cadeias produtivas como a de “carne e charcutaria” são consideradas as mais impactantes a nível ambiental e social, também o setor vitivinícola é chamado a uma profunda reflexão. A sustentabilidade neste âmbito vai muito além da certificação biológica no rótulo e toca três pilares fundamentais: ambiente, ética e inovação. 

A pesquisa destaca que o consumo de energia (53%) e água (42%) são os principais fatores ambientais excluídos dos preços reais. Esse dado é um sinal de alerta para a viticultura. A videira, apesar de ser uma cultura resiliente, requer grandes quantidades de água, estimadas entre 300 e 600 litros por metro quadrado em climas temperados. Num contexto de alterações climáticas, a pegada hídrica de uma vinha torna-se um indicador que não pode ser ignorado. A isso se soma a pegada de carbono (Carbon Footprint), que calcula as emissões de gases de efeito estufa ao longo de todo o ciclo de vida do vinho. Desde o trabalho no campo até a energia utilizada na adega para a vinificação e, sobretudo, para a embalagem, cada fase tem seu peso.

Para responder a essa necessidade, na Itália foram desenvolvidos padrões de certificação específicos, como o V.I.V.A. do Ministério do Meio Ambiente e o Equalitas, promovido pela Federdoc e pela Unione Italiana Vini. Esses protocolos não se limitam à análise do solo, mas medem indicadores objetivos, como a pegada de carbono e hídrica, incentivando as empresas a fazerem uma autoavaliação e a melhorarem continuamente seu desempenho. Uma abordagem que considera a vinha um agrossistema complexo, onde a saúde do solo e a proteção da biodiversidade, favorecidas também pelo precioso trabalho das abelhas, se tornam um elemento chave para a resiliência e a qualidade do produto final.

A análise do Grupo Food analisa ainda o fator humano: os custos sociais ocultos mais significativos são as condições de trabalho precárias ou de exploração (62%) e a baixa rentabilidade para os produtores agrícolas (53%). Também neste caso, o vinho não está imune. O setor agrícola italiano, incluindo a viticultura, enfrenta há anos o drama do caporalato e do trabalho irregular, que, de acordo com o VII Relatório Agromafias e Caporalato, envolve mais de 200.000 pessoas. Garantir contratos justos, segurança e dignidade aos trabalhadores sazonais é o primeiro passo para uma sustentabilidade que seja realmente tal.

Igualmente crítica é a questão da remuneração justa dos viticultores. A pressão da grande distribuição e as dinâmicas do mercado muitas vezes comprimem as margens dos produtores, colocando em risco a sobrevivência das pequenas empresas agrícolas que representam o coração pulsante de nossos territórios vinícolas. A “verdadeira qualidade”, como destaca a pesquisa, é construída no começo da cadeia produtiva, na produção agrícola, e isso não pode prescindir de uma economia saudável e justa para quem cultiva a terra.

A transição para modelos sustentáveis requer investimentos e inovação. Duas áreas em que o vinho está dando passos gigantescos são a embalagem e a energia. Embora a garrafa de vidro continue sendo o ícone do vinho, seu peso representa uma parte significativa de sua pegada de carbono. Por isso, iniciativas como a “Call to Action” da Slow Wine Fair incentivam a adoção de garrafas mais leves, reduzindo o consumo de matérias-primas e as emissões no transporte. Além do vidro, materiais alternativos como PET reciclado, alumínio (latas) ou bag-in-box estão sendo explorados com interesse, pois oferecem vantagens em termos de peso e impacto logístico.

Paralelamente, a transição energética já é uma realidade em muitas vinícolas. Fabio Tentori, CEO da Geoside, lembrou que um sistema fotovoltaico bem dimensionado pode cobrir de 30% a 70% das necessidades energéticas de uma empresa. Não faltam exemplos virtuosos na Itália: desde vinícolas que utilizam caldeiras a biomassa ou a condensação até aquelas que exploram a geotermia para a climatização natural dos ambientes, demonstrando que a eficiência energética e a sustentabilidade não são um custo, mas uma vantagem competitiva concreta.

A pesquisa da Food Social Impact nos leva a questionar o que está por trás de um rótulo e quais são os reais custos – ambientais e sociais – que se escondem por trás das garrafas de vinho. Saber a resposta permite que a cadeia produtiva aja com consciência para se tornar um modelo de desenvolvimento mais equitativo, tanto no aspecto ambiental quanto econômico e social.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

OS PREÇOS DOS VINHEDOS GRAND CRU DA BORGONHA DISPARAM

 Os investidores estão elevando os preços dos vinhedos na Borgonha a um valor muitas vezes superior ao preço de mercado. As melhores localizações são particularmente afetadas. Isso é relatado pela revista francesa Vitisphère e os viticultores estão cada vez mais preocupados com essa evolução.

As vendas de terrenos a preços extremamente elevados ocorrem frequentemente de forma muito discreta. De acordo com o relatório, por vezes atingem cinco vezes o preço de mercado. “Estamos falando de 30 milhões de euros por hectare”, explica Thiébault Huber, presidente do consórcio vitivinícola da Borgonha (CAVB). Assim que um vinhedo Grand-Cru ou Premier-Cru é colocado à venda, os investidores estão prontos para usar todos os truques e fazer lances para obter parcelas nos vinhedos mais renomados da Borgonha, escreve a Vitisphère. Esta abordagem é possível devido a lacunas na regulamentação das áreas vitícolas, que os investidores exploram. A Associação Nacional para o Desenvolvimento Fundiário e o Assentamento Rural (FN Safer) não se sente capaz de monitorar ou influenciar os processos. Um porta-voz afirmou que se trata de tendências num mercado muito limitado, contra as quais a própria autoridade não pode intervir.

Os viticultores da Borgonha temem especulações sobre o seu patrimônio cultural. A sobrevivência das empresas vinícolas está em risco e, para os jovens viticultores, a compra de terrenos torna-se inacessível. “Isso não diz respeito às denominações regionais, mas às joias da Borgonha, que correm o risco de se perder. Isso nos preocupa”, sublinha o presidente da CAVB, Huber, e lamenta: “Nossos clientes mais ricos começam a comprar nossas vinhas para que essas garrafas permaneçam em um mundo especulativo para os super-ricos”.

Muitos investidores são provenientes da Ásia, especialmente da China. A revista semanal Le Point cita a empresa FICOFI como uma das maiores compradoras de renomadas propriedades da Borgonha. Ela possui várias filiais em Bordeaux, Los Angeles, São Paulo, Hong Kong e Cingapura, além de sua sede em Paris. Ela fornece aos 300 membros de seu clube de vinhos algumas das melhores e mais raras garrafas da França. Os membros do clube são, segundo a FICOFI, “empresários de sucesso, executivos e filantropos” apaixonados por vinho.