segunda-feira, 10 de novembro de 2025

PORQUE SEMPRE MAIS PRODUTORES ESCOLHEM ELABORAR VINHOS COM BLEND DE SAFRAS DIFERENTES?

As mudanças climáticas estão redefinindo práticas e percepções no mundo do vinho. Cada vez mais produtores de qualidade recorrem à blends de safras diferentes (não vintage) para manter constante o estilo dos vinhos diante de ondas de calor, geadas e granizadas. Exemplos concretos vêm dos Estados Unidos, em particular da Napa Valley, e também da Itália (da região de Veneto), mostrando como o blend de safras é hoje uma estratégia operacional e sensorial.

O vinho está historicamente ligado a uma única colheita, mas a realidade das vinhas está mudando: ondas de calor mais intensas, incêndios nas proximidades das vinhas e fenômenos meteorológicos extremos estão aumentando a variabilidade qualitativa entre uma colheita e outra. Para alguns produtores, essa variabilidade é um problema a ser gerenciado, não um valor sagrado. O repórter da BBC News Will Smale, em um artigo recente, relata a experiência emblemática de Chris Howell como diretor técnico da Cain Vineyards: enólogo desde 1991, ele conta que os verões estão ficando cada vez mais quentes, com picos que podem chegar a cerca de 50 °C. Em 2017, devido aos incêndios que afetaram o Vale de Napa durante a colheita, Howell selecionou apenas as uvas colhidas antes do início dos incêndios — cerca de metade — e conseguiu compensar a produção graças à possibilidade de misturar o vinho com safras posteriores, aproveitando o Cain Cuvée, o blend já presente na adega.

Paradoxalmente, o não vintage não é uma novidade absoluta: é a norma para os espumantes, em particular para o champanhe, onde a mistura de safras serviu historicamente para garantir estilo e consistência. Hoje, com o aumento das temperaturas no norte da França, produz-se mais champanhe millésimé (vintage) do que no passado — sinal de que o clima também está redefinindo as hierarquias históricas. 

No campo dos vinhos tranquilos, a inovação italiana de Riccardo Pasqua — que, em 2019, introduziu um branco multivintage elaborado a partir de uvas de sete safras diferentes (2019-2016-2021-2020-2018-2017-2013), batizado de “Hey French (You Could Have Made This But You Didn’t)” — mostra como a mistura pode se tornar uma ferramenta de expressão da vinícola, e não apenas uma solução provisória. As uvas deste Bianco Veneto IGT, além de serem de várias safras, provêm de vinhedos localizados em diferentes áreas do lado veronês do Monte Calvarina, na parte mais oriental da denominação Soave. Pasqua fala do blend como um “livro” que se enriquece com capítulos: usar várias safras significa compor uma narrativa sensorial mais ampla do terroir.

De acordo com a Master of Wine Dawn Davies, o mercado divide-se em três segmentos: aqueles que não prestam atenção à safra (consumidores do mercado de massa), aqueles que estão muito ligados a uma única safra (segmento intermediário) e aqueles — profissionais e conhecedores — que compreendem as razões técnicas e qualitativas por trás do não vintage. O ponto prático é que a maioria dos vinhos já é resultado de múltiplas misturas: a novidade é a extensão temporal da mistura, não a técnica em si.

A resistência surge de fatores culturais e de marketing: a safra é um símbolo de autenticidade, memória e narrativa comercial. Mudar essa percepção levará tempo — e transparência sensorial por parte dos produtores —, mas o argumento técnico é sólido: o blend pode garantir consistência, proteger o caráter da empresa e mitigar os riscos associados a eventos extremos.

A mistura de diferentes safras está se tornando uma estratégia prática e, para muitos, inevitável na era das mudanças climáticas. Não se trata de eliminar a cultura da safra, mas de integrar novas ferramentas para preservar um estilo e uma qualidade que o clima torna cada vez mais difíceis de garantir com abordagens rígidas. Os casos da Cain Vineyard & Winery em Napa e da Pasqua em Verona mostram que a escolha já é concreta: para alguns, trata-se de uma adaptação técnica; para outros, uma nova maneira de contar a história do território.

Se o objetivo é manter uma identidade sensorial sustentável ao longo do tempo, a mistura de safras está destinada a entrar definitivamente no vocabulário técnico e comercial do vinho — desde que os produtores e a comunicação saibam explicar por que e o que se ganha em termos de qualidade e resiliência.

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