Culpar a Geração Z pela diminuição das vendas de vinho tornou-se um reflexo quase automático para o setor. Os números falam por si: esta geração, atualmente com idades compreendidas entre os 21 e os 28 anos, representa apenas 3,6% do total de gastos em bebidas alcoólicas nos Estados Unidos. Mas o problema não é tanto “quanto” este grupo etário consome, mas “porque” o vinho - comparado com outras bebidas - tem dificuldade em fazer parte do seu mundo. Como Kate Dingwall salienta nas páginas da Wine Enthusiast, está se evidenciando uma verdade simples, muitas vezes ignorada: muitos jovens americanos não têm dinheiro para comprar vinho com regularidade. Num contexto de subida continua da inflação, salários estagnados e dívidas crescentes, o vinho - especialmente o vinho de gama média e alta - torna-se um bem ocasional e não quotidiano. Não é que a Geração Z não queira beber vinho: não tem dinheiro para compra-lo com regularidade. Reflitam: o custo médio de uma degustação básica em Napa Valley passou de 20 para 75 dólares em menos de uma década. Para muitos jovens de vinte e poucos anos, mesmo uma garrafa “barata” torna-se um luxo que pode ser adquirido de forma saltuária: basta pensar que uma garrafa de vinho “de entrada” no grande comércio varejista dos EUA custa em média 13-20 dólares, enquanto num restaurante o preço médio atinge facilmente 40-50 dólares. E esse não é somente um problemas dos EUA, maior mercado consumidor do mundo, mas também de vários outros paises mundo afora, sejam do velho que do novo mundo. No entanto, não é correto dizer que a Geração Z não gasta. Pelo contrário: de acordo com o Bank of America, muitos jovens gastam quase o dobro do que têm efetivamente em poupanças. Mas escolhem com muito cuidado. Viagens, moda, experiências personalizadas, produtos de auto-cuidado - estas são as áreas em que os gastos continuam fortes. O vinho, muitas vezes visto como elitista ou fora da sua “linguagem de valores”, fica fora do carrinho das compras
A questão fundamental não é apenas o preço, mas a distância cultural. Os jovens cresceram num mundo digital, fluido, inclusivo, atento às questões de identidade e autenticidade. O vinho, com as suas regras não ditas, as suas liturgias de conhecedor e uma estética ainda ancorada em paradigmas tradicionais, é um universo muito distante.
Outro nó crucial é o fato de a Geração Z ser a geração mais diversificada da história. Apenas 50% se identificam como brancos, em comparação com 71% dos Baby Boomers. Além disso, as mulheres são atualmente a maioria dos consumidores com menos de 25 anos e as estatísticas mostram que, em média, as mulheres consomem menos álcool do que os homens. Se o consumo global diminui, não é necessariamente porque ha menos interesse, mas porque a composição do público está diferente. E aqui também, o vinho não fala frequentemente a linguagem destas novas identidades e as campanhas publicitárias raramente representam esta diversidade. Os gostos de novos publicos continuam a ser menosprezados na oferta dominante: uma oportunidade perdida.
Uma das armadilhas mais insidiosas em que o setor do vinho corre o risco de cair é a da espera. “Quando forem mais velhos, começarão a beber vinho”, é o mantra tranquilizador. E, provavelmente, será esse o caso, em parte. Mas, entretanto? Entretanto, outros setores - como os "spirits" (aperitivos e cocktails) e as bebidas sem alcool - preenchem os espaços vazios. Não pode-se ficar estáticos: é a hora de mudar. Mudar a linguagem, os formatos, os canais de comunicação, as ocasiões de consumo. Tornar o vinho mais acessível, mais inclusivo, menos intimidante.
Se a Geração Z está mostrando que quer beber de forma diferente, isso não é um sinal de alarme: é uma oportunidade. O vinho pode reinventar-se como um produto experiencial, convivial, sustentável e descomplicado. Mas para fazer isso, tem de sair da sua zona de conforto. Como afirmou a produtora californiana Courtney M. Benham: "A geração Z não está desinteressada do vinho, está desconectada. Cabe-nos a nós construir uma ponte".
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Interessante! Gostaria de saber se tem alguma estatística com a faixa etária que consome mais vinho, na Europa, no Brasil e nos EUA.
ResponderExcluirInteressante essa colocação.Vamos construir pontes
ResponderExcluirExcelente artigo. Com relação à questão do preço, eu não acho que seja o principal fator. Acredito que seja mais uma questão geracional mesmo e mais restrita às Américas. Acabei de retornar dos EUA, e ainda é possível achar vinhos decentes de entrada (vinhos que eu beberia casualmente, embora os considere apenas “bebíveis”, rs), como por exemplo o 19 Crimes ou o Woodbridge, na casa dos 10/12 dólares, o que para a renda per capita norte-americana ainda é barato.
ResponderExcluirEu acho que o problema é que hoje os jovens querem misturar energéticos com bebida alcoólica destilada (no vinho, obviamente, não dá), cerveja ou bebidas “ice”, bebendo mais em baladas na rua, tomando na própria garrafa ou em copo de plástico, e comer coisas que não combinam com vinho. Para aproveitar mais o que o vinho, oferece, ou seja, numa refeição, aí sim a questão econômica prevalece: é algo que está ficando caro em todo mundo, um pouco menos na Europa, com seu costume de oferecer “vin de la maison”, “vino de casa”, etc, em jarros, pois lá eles compram recipientes maiores, como por exemplo, os “vracs”, na França. Nesses restaurantes, normalmente, o vinho é mais barato que refrigerante e água mineral. E na Europa, normalmente, o contato com o vinho começa em casa, bem cedo, na mesa com a família, não raramente ainda na infância.