Como todos bem sabem quando pronunciamos a palavra Bordeaux, falamos de vinhos, de terroir, de chateau, de glamour, de tradição, de riqueza, enfim falamos da mesma essência dos vinhos franceses, porém mesmo com toda a tradição iniciada "oficialmente" em 1855, que faz desta região talvez a mais conhecida e estimada do mundo em termos de produção de vinhos, algo está mudando, e as vezes de forma drástica.
Primeira notícia que data janeiro de 2021 é que o INAO (Istitut Nacional de l'Origine et de la Qualité), órgão regulador da agricultura na França, aprovou o plantio de seis novas castas na região de Bordeuax, são elas Arinarnoa, Castets, Marselan e Touriga Nacional (tintas) e Alvarinho e Liliorila (brancas). A autorização já valia para plantio em 2021 com algumas restrições: estas castas só poderiam ser utilizadas em vinhos AOC Bordeaux e Bordeaux Superieur, os vinhedos não poderiam passar de 5% do total da propriedade e 10% do blend final dos vinhos. Pela primeira vez em mais de 150 anos o tradicional corte bordalês, composto até então pelas castas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Carmenere, Petit Verdot e Malbec (tintas) e Semillon, Sauvignon Blanc, Sauvignon Gris, Muscadelle, Colombard, Ugni Blanc, Merlot Blance Mauzac (brancas) ganha novas opções de uvas. Esta decisão da INAO foi motivada pelo aquecimento global, ou seja a região busca novas castas que se possam adaptar as mudanças climáticas, já que os vinhedos em Bordeaux vem sofrendo com altas temperaturas que superaram os 41 graus no verão de 2019, sem que a qualidade da produção seja afetada. Apesar da motivação ter como finalidade garantir a alta qualidade da produção e volumes que possam satisfazer a demanda internacional sempre crescente deste vinhos, muitos operadores e críticos enxergaram esta medida como uma tentativa de "internacionalizar" a qualidade dos vinhos, tirando a própria essência de Bordeaux, que seria a tradição secular de um sistema que funciona.
Mais recentemente, a partir do verão de 2021, em Saint-Émilion, região do lado direito do rio Garonne, muito famosa pela produção de alguns dos vinhos mais conceituados e caros de Bordeaux, e que detém uma denominação especifica de classificação dos vinhos, que ao contrário do que acontece em Medoc, é atualizada a cada 10 anos (última atualização em 2012) dois dos 4 Chateau que detinham a mais alta classificação da região, Premiere Grand Cru Classé A, Cheval Blanc e Ausone, decidiram retirar as próprias candidaturas para 2022 para continuar na mais prestigiosa denominação de Saint-Émilion, e no começo desta semana a mesma decisão foi tomada por outro Chateau, o Angélus, deixando assim, para a próxima análise da denominação, só o Chateau Pavie o único representante da "velha guarda". Estes movimentos estão deixando o mundo do vinho, especialmente na França, muito apreensivo quanto ao desfecho desta questão, porque está se colocando em discussão um sistema, o do Saint-Émilion, que nasceu para ser mais elastico e mais atualizado que o de Medoc mas que, depois de 6 edições, parece se basear em algumas características que nada tem a ver com o mundo do vinho, como número de enoturistas atraídos pela denominação ou número de seguidores da denominação pelas redes sociais. O caso do Chateau Angélus é ainda mais complexo porque parece que a decisão recém tomada seria uma retaliação a decisão da justiça francesa, depois de 10 anos de luta, que condenou Hubert de Bôuard, atual proprietario, por tráfico de influencia por ter sido um dos integrantes do comité que definiram em 2012 os padrões de qualidade para a denominação Premier Grand Cru Classé A, que justamente seu Chateau adquiriu.
Obvio que até o próximo capitulo desta intricada novela o topo da piramide da denominação Saint-Émilion continua a mesma, porém existem críticos que se expressaram seja a favor que contra tal situação: os que apoiam argumentam que uma propriedade deve se destacar não só pela qualidade de seus produtos (ou seja pela características intrinseca do vinho) mas também pelos serviços oferecidos, glamour e fama adquiridos nacionalmente e internacionalmente, medidos também pelo tráfego nas redes sociais ou pelo número de visitas de enoturistas; já os que criticam salientam que o prestigio de um Chateau só diz respeito a qualidade dos produtos ali elaborados como resultado da tradição, do do conhecimento do território e dos processos de produção seculares.
Difícil prever como terminará esta situação, mas, com certeza, vinhos como Chateau Cheval Blanc, cujo vinho da safra 2006 está sendo vendido aqui pela World Wine pela bagatela de R$ 13.600,00, ou Chateau Ausone, vendido pela Wine, safra 2012, a R$ 18.763,53, não precisam de mais alguma denominação para serem ainda mais valorizados.....Será que você deixaria de comprar um vinho só porque não faz mais parte de uma denominação?
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